domingo, 3 de outubro de 2010

A-do-le-ta. Lepeti, peti-co-lá

Subi em cima de uma árvore e chorei, assim feito criança ou por saudade de assim ser. Havia tirado meus chinelos e as meias erradas e fui andar descalça por toda a terra que já andei antes. E apesar de estar ali, sentia saudade de ali estar. É possível? Sentia saudade de calçar 32, usar um short horrível que comprei na feira por cinco reais, pra economizar na mesada. Saudade da minha barriga enorme e da minha camisa que só a cobria pela metade. Sentei no lugar onde havia quebrado o braço, me sentei no toco de um tronco das maiores árvores que ali já estiveram.
Eu já fui tão pequena, sabe? Sempre inocente, faz parte da infância, eu acreditava que minha mãe sabia de tudo, já que ela havia acertado colocar a perna da boneca no lugar. Achava que não existia gente mais inteligente que meu pai, ele sabia escrever com letra cursiva. Minha visão de mundo era tão pequena que até entendo, agora, o motivo de tantas reviravoltas comigo mesma: Eu cresci, estamos crescendo.
Eu me lembrei da minha galinha que era a mais rápida do mundo e que colocava ovos verdes, eu juro e tenho fotos pra comprovar. Lembrei-me também da manhã que acordei e percebi que em uma única madrugada as formigas levaram todas as folhas da árvore de acerola, ou de quando vi o chão do banheiro cheio de granulado derrubado e descobri que isso não era, eram moscas detetizadas. Das brigas com meus primos, do sorvete, das besteiras, dos bolos de chocolates, das pescarias, das cavalgadas, de querer fugir, de querer ficar.
E não me lembrei de tudo, não é possível. Por sorte, foram poucos os arrependimentos que restaram. Quase nenhuma mágoa ou trauma que sirva como martelo pra minha cabeça hoje em dia.
Eu sei que você pode dizer o mesmo, mas, eu tive a melhor infância de todas. Quando eu era pequena não entendia porque os adultos falavam de ser criança, achava que eles nunca tinham sido. Eles falavam que a infância era mágica e tudo mais, e eu achava bobagem. Vai muito além de mágica, a infância é tudo, é toda nossa formação, é linda, encantadora e hipocritamente madura. Eu queria poder dizer pra alguma criança o quão importante está sendo o minuto que ela está vivendo, mas de nada adiantaria. A Vida não deixaria que ela entendesse ainda.
Eu estou envelhecendo, e você também.
Bem agora, alguém, muito mais velho que nós dois está sentindo falta da nossa idade, e dizendo o quão de sorte temos.

E daqui a algum tempo vou ser eu que dirá, e depois você. Depois seus filhos, seus netos e todos aqueles rostos estranhos que não farão diferença pra você. Não fui a primeira, nem a última e você também não será.

E há quem diga que a Vida é muito boa.

5 comentários:

  1. Não foi um conto, e não teve aquele mistério pra esconder alguns reais pensamentos meus. Não foi mesmo um texto, eu acho. Mais foi um desabafo, um alívio e uma necessidade minha, pouco casual - aliás.
    Isso tem tudo a ver com as raízes, que estou muito ligada últimamente, e com o principio dos meus principios e o real primordial que foi o nome deste blog.
    "Pegue uma porção de fotos da sua infância, com alguns jornais amarelados de quando seu tio apareceu na capa ou de quando sua prima foi premiada por mérito em algo que hoje já não tem valor. Adicione as cartas apaixonadas que seu avô mandava pra sua avó quando estava trabalhando distante, recheadas de saudade. Faça um chá das suas relíquias e me diga: Qual é o sabor de suas memórias?"

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  2. lindo. sempre lindas as coisas que leio por aqui!

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  3. Eu sempre penso em tudo isso e nem consigo dizer de verdade. E há quem diga que a Vida é muito boa...

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