terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pensar como um Caio

Logo no final da minha rua, a penúltima casa – se você desconsiderar a de cerca vermelha – morava uma família dessas que as empresas de margarina procuram pra gravar as suas propagandas de café da manhã.
O pai, além de um sobrenome bonito, era requisitado no que fazia. A mãe, além de fazer uma famosa torta de cereja, tinha bonitos cachos feitos com um fixador em spray para cabelos. Eu nunca falei realmente com o Pai, mas dava-se para notar – com aquela intuição que evitamos chamar de preconceito – que era ambicioso e inteligentíssimo. A mãe passava lá em casa para nos dar uma gelatina colorida em forma de bichos feita por ela mesma, dizia que gostava do cheiro da minha casa, mas todo mundo sabia que ela gostava mesmo é de deitar a cabeça no travesseiro e se sentir incrivelmente foda por isso.
Essas duas personalidades são clássicas, você pode ganhar gente desse tipo em um brinde no seu cereal, mas não como o fruto deste casal.
Tive a oportunidade de conhecer Caio em um verão que fui ao lago com alguns amigos em comum que nos tínhamos. Caio, de primeira, chama atenção pelo grande par de olhos azuis que carrega em seu rosto, não fui uma das garotas que achou ele lindo: Logo de primeira percebi que ele era um babaca. Ele era do tipo que não olhava para os dois lados antes de tirar meleca e não comia a famosa torta de sua mãe, simplesmente porque achava mais rápida e saborosa a secreção gosmenta que ficava seguidamente em seus dedos: Ele comia a própria meleca. Não sabia a capital de lugar nenhum, nem mesmo do país em que o conheci, que morava ainda garota: Ele não tinha interesses.
Para Caio era bobagem discutir sobre a sua existência no universo, não acreditava em planetas além da terra, e nem perguntei o que achava sobre a gravidade – aposto que também não acreditaria – não acreditava em vida pós a morte, simplesmente porque não acreditava na própria vida em que vivia. Achava livros sem gravuras chatos: e os com gravuras também. Caio não tinha conhecimento nenhum sobre nada e achava que existiam poucas diferenças entre uma amora e uma lagarta.
Apesar de eu concordar com a última.
Com o tempo comecei a aceitar a existência de uma pessoa que tinha seu cérebro parado em um estado vegetal, e que não tinha sido diagnosticada assim. Sabia que ele nunca havia chorado, que nunca havia sofrido e que nunca pensou em que aquilo poderia significar para uma pessoa.
Foi em uma noite de quarta-feira, enquanto me revirava sobre os lençóis com insônia que descobri o que sempre quis ser: Um Caio. Eu acho injusto que enquanto eu crie milhões de possibilidades inexistentes em minha cabeça sobre coisas que talvez nem mesmo aconteçam, Caio esteja assistindo TV. Eu acho injusto que enquanto eu chore de soluçar forte o suficiente a achar que meu coração vai ser expelido pra fora do meu corpo, Caio continue assistindo TV. Eu acho injusto que enquanto todos nós gastemos todo o nosso tempo procurando amadurecer de alguma forma: Caio perca a preguiça e vá finalmente ao banheiro.
Eu odeio Caios, odeio os Caios que sentam no fundo, odeio os Caios que não gostam de usar o computador e odeio os Caios que recebem um videogame sem ter passado direto no colégio.
Eu tenho inveja de Caios, Eu queria ser um Caio que não ligasse e um Caio que soltasse gases ao invés de viver.
Falaram-me que não, que é melhor viver. Baseado em que? Prefiro ter nascido Caio, que acha que depois da morte “Um abraço, amigo” e que não haverá mais nada.
Qual é o nome da sua vida?

6 comentários:

  1. Caramba, muito bom!
    Esse jeito de ver a vida que é tão diferente, eu gostei muito do texto todo!

    BRAVO!!

    ResponderExcluir
  2. puta que pariu. porque demorou tanto de postar? minha vida não tem nome.. mas com certeza não é Caio. eu não trocaria a capacidade de sentir gosto de arco-íris quando penso por imagens na TV. seus textos são simplesmente.. além!

    ResponderExcluir
  3. Não seu o nome da minha vida, mas, definitivamente, não é o meu.

    ResponderExcluir
  4. a vida não é uma personalidade, um novo elemento químico, não é um conceito, um vocábulo de quatro letras, um caráter. não está em tabela muito menos dicionário. a vida é. e não tem nome.

    ResponderExcluir
  5. A vida é. E, por ser... Não tem nome.

    Agora faz sentido.

    ResponderExcluir

Comente. comente, comente, comente !