terça-feira, 28 de setembro de 2010

Desculpa

Não quer dizer, por ter parado de chover, que eu nunca tenha visto o sol.
Eu tentei - da melhor maneira possível - não quebrar seu coração, eu pensei muitas vezes as melhores palavras pra usar e acessei o máximo da minha sabedoria pra poder ter as pitadas corretas pra essa receita.
É perigoso dizer isso aqui, já que foram poucos os que acabaram sabendo, eu te amei. E ainda amo, só que não desse jeito - apenas de vez em quando. Por muito tempo foi o seu sorriso que preencheu o meu, por muito tempo o seu sabor foi o meu favorito, por muito tempo me imaginei com você ou ao seu lado nas suas fotos mais bonitas. Por muito tempo você dominou todos os espaços vazios da minha casa, era você por todo o tempo, o tempo todo.
Eu quebrei não é mesmo? Mesmo acreditando nunca ser capaz de fazer isso, eu fiz. Tudo que construímos foi usado pra quebrar todo e tudo que lhe desejei – E como. Eu não queria que você se chateasse, entende? Só que não é minha culpa.
Eu sei que fui difícil pra você, eu já passei por isso tudo, mais do que algumas vezes. É sempre assim, a vida te troca de personagem o máximo que puder, por quê? O porquê eu não sei, ou porque ela quer mesmo é foder com sua cara ou ela quer mesmo que você aprenda. E ela - felizmente - fez isso com você também, ela também vai obrigá-la a te dizer tudo mais e também vai te obrigar a ver um coração se partindo por sua causa, ela também vai te passar a perna e te dar uma rasteira. Ela é assim, cruel. Porque a gente só entende assim.
Então eu lhe desejo boa sorte, e bom entendimento. Sabe?
Porque eu sei que você também não dirá da forma correta, e ela também não vai entender nada do que você disse.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Vincent


Então, com uma cicatriz na mão ele me deixou. Deixando na minha cabeça as memórias do dia em que ele chegou. Ele é o Medo, Azar e Pesadelo, não havia outra forma dele entrar numa casa se não fosse pedindo ajuda, era ainda pequeno e muito doente. Um ombro luxado, uma pata deslocada, alguns dedos faltando, o femo estraçalhado e o pelo desgastado por uma vida fragmentada. Ele só chorava, passava a noite chorando dentro de uma caixa de sapato, parava assim que eu me encontrava com seus olhos verdes. Ele me olhava e não soltava mais uma nota de dor, se eu desse um passo pra trás – sei disso porque eu já havia testado – ele choraria muito mais alto.
Odeio dependência, odeio estar presa a algo. E além do Medo, Azar e Pesadelo ele me foi à prisão, a reclusão e a dor. Eu, recém saída dos quartos escuros, com os olhos ainda mal acostumados com a clareza novamente vista, tinha que voltar a ficar ali, de novo. Poderia ser ele que não conseguisse mais andar, ou ele que não soubesse pular a caixa. Mas era eu que estava ao seu lado a todo tempo, esperando isso acontecer.
Odeio cantar, e mesmo assim cantei muito ao seu lado – ele só dormia quando ouvisse uma música. E mesmo com todas as falhas, com toda a rouquidão, com todos os calos na garganta que eu tenho, era ele. Só ele que gostava de ouvir aquela voz. Era ele que encostava a cabeça no meu ombro e dormia tranqüilo, uma noite dele mesmo.
Ele não era só o Medo, Azar, Pesadelo, Prisão, Dor, Reclusão e Depressão. Além disso, ele era a sombra e também à noite, carregava ela inteira em seus pelos pretos e alguns fios brancos que representavam as estrelas. Eu sofri, sofri com meu próprio sofrimento em forma de gato bem sobre meu colo. Sofri com sua necessidade de atenção, com sua dependência e com seus lamentos incansáveis.
O tempo, que é a cura de quase de tudo, trouxe com ele a confiança, a amizade, a lealdade, a meiguice e todas as coisas que fizeram dele o meu medo favorito, o meu azar favorito, o meu pesadelo favorito, a minha prisão favorita, a minha dor favorita, a minha reclusão favorita, a minha depressão favorita: Ou os únicos que eu realmente gostasse.
Ele também é Culpado: Por eu ser apaixonada por preto, por esperar sempre de uma sombra que seja a minha, por não ter mais medo de escuro – Ele era as duas coisas.
No final das contas, ele não era meu: ele era eu. Sempre foi. Sempre foi tudo que eu faço, sempre foi tudo que eu penso, sempre foi tudo que eu.
E assim, como criança no levantar da manhã, eu acordei. Não tenho mais medo do escuro, ele se foi. Não tenho mais azar. Não tenho mais dor, não tenho mais pesadelo. Não tem mais noite, não tem mais sombra – A luz da escuridão não foi chegou para me salvar – Agora só tem uma coisa: Saudade.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Camarões à grega.

A mesa quase posta, todos os acompanhamentos estavam lá, salada, arroz, feijão, batatas, berinjelas e tudo que um dia eu já gostei. Só faltava mesmo o prato principal que, pelo cheiro, viria do cômodo ao lado. Todo mundo reunido como há muito tempo não estavam, perfumados, sorridentes e com um ar de saudade recém-morta. Lindos copos, linda toalha de mesa e guardanapos bordados a mão que tanto gostava.
A dama que ali estava sentada na ponta da mesa levantou-se e se encaminhou até uma mesa preenchida de porta-retratos. Ali estava um pequeno sino, com um duende entalhado na ponta, sacudiu-o e de lá de dentro da casa, ouvimos uma voz gritar "já vai, senhora!". Todos se voltaram para o corredor e os camarões que dali vinham. Apesar de mortos e cozinhados, pareciam incrivelmente deliciosos. Alguns se ajeitavam na cadeira e outros preparavam os garfos e facas, já outros aproveitavam os segundos que ninguém olhava pra pôr mais sal sobre o feijão.
Eu então abaixei minha cabeça, eu sou alérgica a camarão. Nunca tinha ido aquela casa, era minha primeira vez. Haviam feito todo aquele almoço para mim, me consideravam especial. Eu gostava mesmo de tudo, de todos. Da decoração, do comportamento, das roupas, dos sobrenomes e dos olhares. Estavam todos sempre dispostos para minhas vontades e para minhas argumentações.
Fechei os olhos, coloquei os dedos indicadores sobre as pálpebras, infelizmente, chamando a atenção de todos. Então eles mudaram, deixaram de comemorar e o camarão perdeu seu posto. Agora todos me observavam e me sufocavam de perguntas sobre meu estado.
Está bem? Está tudo bem? Como você está se sentindo. Você não gosta da nossa casa? Você não gosta de nós? Eu repetia, que não era casa em si, que não eram as roupas, os olhares, os porta-retratos ou os sininhos com gnomos nas pontas: Eu não gostava de camarões e não tinha avisado.

Então, passei o resto do tempo fitando o camarão pra saber se, engolia, correndo o risco, dependendo de convenções sociais. Ou então, esperava o momento certo pra avisá-los:

Eu posso morrer desse jeito.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Olá querida,

Perdi lá pelas nove mil e vinte e cinco, trezentos e sessenta e duas vezes que pedi companhia. Parei de contar quantos domingos passei sozinha, parei de usar lágrimas de sobremesa, considerando grandes desejos um bom almoço. Havia cansado de ficar sozinha, de olhar pra trás e não ver ninguém. De contar uma piada e não ouvir nenhuma risada, mesmo que forçada. De danças num canto da sala como uma piriguete, ou de tocar bateria imaginária enquanto canto uma música, que nem mesmo bateria tem e ninguém achar isso estranho. Perdi a conta de quantas vezes me bati em uma mesa, ou um vaso e pedi desculpas a ele. Seria carência? Já gritei tantas onomatopéias logo seguidas de um silêncio tão pesado, às vezes um miado... Quem sabe?
Declarava meu amor a uma pessoa imaginaria, da qual sentia o cheiro, que dançava comigo e que sussurrava coisas no meu ouvido. Eu sempre soube que ela nunca existiu, mas sempre me aproveitei um pouco disso pra não fazer o dever de matemática. Já escrevi cartas para pessoas distantes, já me imaginei na Arábia, no Japão e na frança. Às vezes em um hospital, ou bem de dentro de uma caneta. Achava pessoas que nunca falei maravilhosas, fiquei razoavelmente apaixonada só por fotos . Fazia juras de amor, às vezes despedidas e na maioria das vezes saudades. Saudade mesmo, do que eu nunca havia conhecido. Foi só então, enquanto conversava com a Lua que ela me disse o certo a se fazer, e fiz, entreguei uma garrafa vazia com uma poesia e uma ofensa, dois colheres de sal e um amuleto que me trouxesse sorte. E virá, chegará logo na noite de natal. Eu sei que virá, virá mesmo. Eu juro, tenho certeza disso.


E no fim, é tudo mentira, está bem aqui.
Bem aqui no meu lado.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma dessas cenas eternas.

Eram mais palavras digitadas sem nada por trás dito, tudo sempre igual. Um caderno cada vez mais choroso, pedindo mais atenção a cada novo tic de um relógio feito de caneta desenhado ao pulso. Eu, ali mesma sentada naquela cadeira desconfortável, chorosa como criança boba. Devo admitir que nem toda a culpa daquele choro inocente vinha do que tinha acabado de ler. Hoje foi um dia difícil. Mas, tenho certeza que não teria sido o suficiente pra soluçar tanto. Foi aquele desabafo apaixonadamente desesperado escrito nas melhores e talvez, únicas, palavras possíveis que chocaram-me de tal forma.
Foi poucas as vezes que amei, e menos ainda as que fui amada, apesar do amor ser muito valorizado por mim. Mas, acho que nunca em todos esses anos de observação intensa vi alguém amar assim. Não era obsessão, não era doença, não era dor, não era sexo, não era felicidade e não me perguntei ainda se era um pouco de tristeza, talvez. Mas era, e era muito, amor.
Amor do mais puro, do mais raro, do mais cheiroso. Que me desculpem os que amo e me perdoem os que amo muito: Nunca amei assim.
E as lágrimas me desciam por vários motivos, agradecia por ter aquilo presenciado misturado com a emoção que era transcrita e o pior: Por não ser devidamente valorizado.
Então eu engoli todo o sentimento, todo o riso, todo o ódio, todo o estresse, todo orgulho. Engoli demais: Escorreu pelos olhos.