quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cor 27

A menina bonita sentada na escada que corta a pequena sala parisiense em dois, com sua caneca favorita sobre a mão, seu batom cor 27, meio rosa avermelhado, sobre os lábios e channel número 5 borrifado duas vezes em seu pescoço. O amor da sua vida já se foi: era casado. Tinha largado o colégio, desistido dos estudos, deixou as amigas de lado e foi simbora com o novo par de meias. Ela recupera o ritmo dos estudos e então consegue realizar o sonho de ir para faculdade que gostaria. O filme acaba com esta menina andando de bicicleta por uma rua grande, que a câmera não acompanha, deixando o telespectador observar ela ficar pequena e ser engolida pelo horizonte. Todos os tipos de nome aparecem na tela, dos mais importantes aos mais inúteis, e depois acordamos de mais um desses sonhos e voltamos para vidas cotidianas.
Cansei disso, de tudo. Também tenho desejos: sei que você não sabia dessa. Eu também acho o garoto do outro lado da rua bonito, principalmente o vizinho com tatuagem da Abbey Road. Também quero estudar muito pra o vestibular e passar em medicina. Isso, também não quero cursar no meu estado. Também chingo, também cuspo, infelizmente, não sei arrotar: mas sinto falta disso. Não tenho casacos de pele, não costumo usar batom, nunca namorei sério e não sei falar nada além de um português bom. Sou incapacitada, então, de ser protagonista do meu único e próprio sonho?
Talvez, seja o casaco grande demais para o corpo e o corpo pequeno demais para a cabeça. Pode ser também a voz rouca, falha demais. Ou a aparência infantil demais. Mas não sou, não sou velha, não sou chata, não sou assexuada, não sou aposentada e não cheguei a menopausa ainda, entende?
Eu posso ser a pessoa a te entregar flores, eu posso escrever os poemas que um dia eu já quis ler. Eu posso dirigir um carro conversível, enquanto você canta de óculos escuros ao meu lado. Eu sei ligar o som ao máximo com uma música animada, só não sei dançar. Sou culpada por isso? Cansei de esperar que a perfeição surja batendo na minha porta, dizendo todas as letras de músicas que um dia quero ouvir de alguém: Eu cantarei as letras agora. Eu vou abraçar quem eu quiser, a hora que eu quiser, do jeito que já esperei tanto. Eu concederei o sorriso mais lindo que já recebi, bem aquele que guardo debaixo do travesseiro. Eu que beijarei no pescoço, eu que usarei meus dedos pra por o seu cabelo atrás da orelha, eu vou convidar pra ver o pôr-do-sol e esperar até ele nascer de novo pra eu dizer que amo.
Não vou deixar que vivam a vida por mim, não quero ser a eterna coadjuvante: Serei protagonista. Com a caneca, com a bicicleta e com todo o amor parisiense que um dia eu já desejei.

domingo, 14 de novembro de 2010

World Apart

Um dia acordei sem vontade de acompanhar o pôr-do-sol sozinha, com umas ligações a chamei pra ir ao terraço da minha casa, onde a gente sempre se encontrava, sabe? Ou naquele nosso barco de Londres, no seu bordel ou no apartamento que ainda estamos pra alugar, quando formos pra Bellas Artes. Qualquer parte de um mundo à parte, da qual os poucos problemas nem existem mesmo, e ficamos lá conversando e ouvindo a boa música cotidiana, rindo e falando besteira não muito pensada.
Daí, enquanto falávamos sobre o próximo ato inconseqüente e divertido que faríamos, ela se levantou e olhou bem nos meus olhos e assim, sem motivo - como a maioria de seus atos - começou a chorar, e a rir ao mesmo tempo. Começou a andar pra trás com o seu tênis favorito, e as mãos nos bolsos da calça jeans, enquanto eu gritava mais do que seguidas vezes o seu nome. Levantei correndo e fiquei paralisada. Meio assustada, meio risonha. Sem saber se ela estava aprontando mais uma: e estava.

Ela andou o suficiente pra chegar bem à beirada do terraço e disse:
- Eu só gosto de sorvete sabor creme, com uvas passas.
Jogou-se de lá em silêncio, com o rosto virado para o seu último pôr-do-sol.
Eu fiquei lá, encarando em silêncio o nada. Sem saber o que fazer com o empréstimo que tomamos pra comprar os engradados, ou o que fazer com todas as nossas fotos e os ingressos das nossas bandas favoritas.
Foram tantos sonhos, tantos futuros, tantas possibilidades, era tanto tudo: Ela só gostava de um único sorvete, o que eu poderia fazer?
Eu considerava muito pouco, antecipar seu fim por uma preferência, já que podia ter preferido a mim, a sua família, a seus amigos, aos seus ídolos: a ela mesma.

Porque, porque você não se prefere?
Se ame, eu te amo.

domingo, 7 de novembro de 2010

Σοφíα

Desculpa por ter que parecer assim, tenso. É que as coisas são sempre tão engraçadas e tão intensionalmente escritas errado. Mas não é interesse, é só agradecimento.

Obrigada, Sabedoria.

Não é pra você, você.

No começo passou tão devagar, daquele jeito de início de conversa. Tudo com muito pudor, com muita suspeita. Sempre procurando o ponto certo, pra se guiar e acabar se aprofundando em algo com a esperança que a espontaneidade surgisse.
Então levantamos, daquele jeito sem motivo, que ninguém sabe explicar mesmo o porquê de sair andando por um caminho que não tem final. E continuamos ali, falando inicialmente de flores, eu acho. - é claro que não.
Eu não sei claramente, e aposto que ela também não sabe, quando exatamente passamos a falar de sentimentos e a dividir os problemas. Ou quando passamos a ter uma língua própria e uma própria risada. E digo com sinceridade quando digo que não tenho interesse no por que. Eu só sei que foi assim, automático.
Foi quando ela falou sobre estar perdida, que eu resolvi olhar para trás, só então naquele momento, percebi o quão distante estávamos de todo o resto. O quão sozinhas, mas não solitárias, estávamos do mundo.
Não é que eu seja única pra ela - ou ela única pra mim. É só que as horas passaram a fazer greve quando ela não estava. As risadas se economizam quando não divididas com as dela, as loucuras e os momentos pré-agendados de diversão sem consciência só são escolhidos em datas possíveis pra gente. Eu peguei algumas de suas manias, de suas palavras e criei uma série delas juntamente com seus costumes.
Passei a amá-la muito antes de isso dizer, por vergonha? Eu não sei, eu, não, sei, eu não sei, eu não, eu. Sei. Sei que a amo, não é suficiente?
Então parem de suspeitar, de perguntar, de insinuar, de dizer, de argumentar, de profetizar, de decidir. É isso, só isso: Eu a amo muito, muito, muito, muito.


Com todo esse amor que faz a gente digitar mais devagar quando ama.