domingo, 25 de setembro de 2011

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Empurrou a porta com a palma da mão para não sujar as pontas dos dedos que ele – por autoconhecimento – tinha certeza que colocaria na boca nos próximos minutos. Entrou perguntando se tinha alguém na casa e ao ouvir uma voz de retorno parou de se mover e, como de esperado, colocou o dedo na boca e roeu um pedaço de unha que aguardava os seus dentes.
A voz entrou no mesmo cômodo que ele e como resposta automática disse “Que deliciosa surpresa tê-lo aqui!” – então ela parou e viu que não era uma resposta automática. Era realmente uma deliciosa surpresa tê-lo ali, daquele tipo de realidade que se sente sobre o peito e quase pode pegá-la com as pontas de dedos ruídos.
- Eu estou surpreso em estar aqui também, e acho isso delicioso! – era verdade.
Eles se entreolharam, deram pequenos risos e ficaram ali se olhando, procurando algum tema idiota pra preencher o espaço vazio: nada. Era engraçado, sabe? Pessoas que conheciam umas as outras mais do que à si mesmas, que agora, não tinham mais assuntos e trocavam o seu passado interligado por um presente branco.
- É hora de ir, foi bom te ver! – resposta automática
- Foi bom matar um pouquinho da saudade, não é mesmo? Pode vir quando quiser! – resposta automática.
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- Eu sinto sua falta. – verdade não dita.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O sonho de ser lobo

O dia 26, ainda bem fresquinho, ia chegando de passos finos para que não acabasse assustando o dia 27 que ainda não tinha acordado. Usando um vestido lilás alaranjado e um perfume de sereno, ele pegou suas coisas e foi embora: só trabalhava uma vez por mês.
Ela, que nem mesmo sabia qual dia estava por sair ou qual dia estava por chegar, estava em mais uma cama desconhecida sem saber o que tinha feito no dia anterior, mas já não achava estranho. Levantou procurando por pistas e, antes disso, por seu óculos. Andou entre os poucos cômodos que tinha aquela casa estranha até se deparar com o baú de tesouros que um libertino diariamente necessitado de sexo procura ao acordar em uma casa estranha: um porta retrato.
Pegou-o com seus dedos descascados e apertou os olhos para encará-lo com maior nitidez. Era uma foto dela ao lado de algumas pessoas da sua faculdade. Ela tinha uma foto igual aquela, mas não se deu conta do que aquilo significava, imaginou apenas: comi quem não devia.
Deu-se conta do que estava acontecendo apenas quando foi de encontro à cozinha e mais especificadamente, à lista de compras escrita em um post-it verde limão: aquela era sua própria casa.

Eu não me reconheço mais, não enxergo minhas características nas minhas roupas, no meu quarto ou dentro de mim. Não me vejo nas qualidades sagitarianas ou nos argumentos aquarianos, por mais que eu queira. Estou mais pra capricórnio e espero que você entenda o que estou dizendo e o quanto isso me irrita. Antes me via como lobo, achava que era corajosa, mas agora percebi que sou um York Shire.
Cansei de no domingo acordar e perceber que peguei no sono enquanto via televisão: Quero viver a vida que quero viver.

terça-feira, 29 de março de 2011

Imagem e Semelhança

Eu já tive um gato preto, e quem me acompanha de perto deve saber que o quanto eu gostava de suas peculiaridades e o fato dele ser a única coisa que me faz chorar.
Para minha mãe, que sofria de alergia a ele, amanhã era sempre o dia dele ir embora e a coragem pouca que ela tinha, não era forte o suficiente pra superar a vontade - mais tarde considerada por mim como necessidade - de que ele simplesmente saísse da nossa casa. Até o dia em que ela teve o sonho que uma imagem, significativa para ela, aparecia e lhe dizia a urgência que ela tinha em mandar o gato embora da casa: Está lhe trazendo azar.
Sempre que me perguntavam o motivo do meu gato ter ido embora da minha casa, envergonhada, não tinha coragem pra assumir o caráter - naquela época pensado como - insensível da minha mãe em tê-lo dado por esse motivo, dizia apenas que ela era alérgica e pareciam motivos suficiente para a maioria das pessoas desinteressadas em minha vida.
O que tenho de novo pra dizer é: Eu realmente sabia que ele trazia azar.

Vincent também foi o meu corte de cabelo.

Já fui a milhares de julgamentos onde eu era a criminosa, mas não tinha advogados a meu favor. Não poderia continuar a fazer as coisas que eu gostava ou adquirir novos gostos porque eu tinha recebido a sentença de prisão por mais de um juiz.
Eu levava na minha testa - mais precisamente, na minha cabeça - a regra que não poderia ser nada além da representação "emergente" de sabedoria.

Mas eu sabia que o gato trazia azar, eu sempre soube.

Eu sei hoje em dia que tudo o que carrego em mim teve a ver com o meu corte de cabelo, e você pode associar isso com a minha vontade de ser diferente ou acreditar que eu tinha piolho - não quero saber qual opção você escolhe. Por tanto tempo incorporei tanto em mim a imagem falsa que carregava, que nunca tive coragem de expressar minha real opinião sobre os meus gostos - até hoje.
Admitir que eu sou tudo o que sou hoje por culpa de um corte é como admitir que meu gato trazia azar e aceitar a postura ridícula da minha mãe de tirar de mim uma das coisas que mais amava no mundo. Eu admito que mudei só pelo meu cabelo, mas não foi uma escolha minha.
Todo o medo que você carregava, toda a insegurança que você tinha deu virar a esquina com a camisa de uma banda que você gostasse - e que eu mal conhecesse. Fez com que eu buscasse saber sobre essa banda: Eu tinha medo que me perguntassem sobre. Aquela sua aflição por completa, deu adicionar aos meus favoritos, os seus favoritos só me fez com que escutasse falar sobre eles. E a culpa foi sua, babacas, escrotos e filhos da puta.
Não foram esses fios que faltam no meu cabelo que influenciaram diretamente na minha mudança de postura por completa, eu tinha 13 anos, foi a sua filha-da-putagem que me fez insensível, mais impaciente e mais grossa. Tornei-me a imagem e semelhança da sua insegurança.
Já passou, faz dois anos, mas não leve em consideração até hoje pra me considerar incapaz ou desoriginal de certas coisas.

E nada - nada - vai trazer Vincent de volta.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Exploda-se

Você entrou na loja errada: Não vendemos donuts.
Por muito tempo foi suficiente olhar pra sua cara e entender tudo que você queria dizer, rir do nada, bem alto e ter momentos estrábicos de tanta alegria.
Então você se surpreendeu d'eu falar que queria que você explodisse e que não queria saber o que você tinha pra falar. Se melhora dizer, eu não queria que você explodisse no sentido literal (risos). Eu não vou te ajudar com algo que não acredito, não gosto e não concordo. Eu realmente não quero ouvir uma história que eu já ouvi antes e que já sabia: Eu sou assim.
Eu respeito - e entendo - toda a sua insegurança e todas as coisas que não gosto em você e que me faz revirar os olhos. Eu não reclamo disso.
Às vezes me pergunto se você diz que eu me volto pras minhas unhas, porque você não quer aceitar com clareza a verdade de que não quero sorrir pra você às vezes. Eu não sou fofa – se surpreendam – sou verdadeira no sentido ruim, sou grossa e machuco.
Você pode reclamar disso, mas não peça pra eu mudar. Você mesma falava sempre, que não conseguia mudar nas coisas que eu lhe aconselhava. Também não consigo, ora.
Você não está errada, eu sou um cavalo filho-da-puta de tão grosso. Não vendo donuts, vendo as panelas de pressão que fazem seu feijão explodir.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O fax e Almiro

Fazia três semanas que comia pão seco, que não ligava luzes após as 22hrs e que não acenava: Tinha medo de abrir a mão. Toda economia era validada, nada poderia ser gasto sem necessidade. Ele, incompreendido, não via aquilo como uma atitude mesquinha, se considerava um homem ambicioso.
- Os homens ambiciosos são assim, sofrem por algo que querem muito. - Ele dizia.
Decidiu regularizar sua vida, passou a trabalhar mais, aproveitar menos e tudo com um grande objetivo: Um fax.
Você deve estar achando engraçado, já que você deve ter jogado fora seu fax na semana passada de tão velho e sem valor que estava. Bem, queria Almiro ter nascido em uma época dessas! Ele é dos tempos de Plutão como planeta, os velhos.
Depois de muito ardor, lá estava a sua quantidade de cruzeiros necessários pra comprar o seu tão esperado item e o comprou, feliz.
Ao terminar a leitura do Manual de Instruções colocou-se frente ao objeto amado e, boquiaberto, tomou um susto. Deslizou as mãos sobre o corpo e deu a pausa de um instante pra se sentar no sofá.
Pra quem mandarei um Fax? - pensou ele.
O pobre Almiro trabalhou tanto por uma coisa da qual poucos tinham disponível para lhe dar: Enviar mensagem por um Fax ainda não era um costume. O Fax, de sonho virou fardo, passeava todas as tardes à procura de alguém que dividisse esse sonho com ele. Nunca achou.

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Eu me trabalhei muito, preparei muito a minha cabeça para que enfim me permitisse gostar de uma pessoa sem me chatear, após ela repetir uma palavra muitas vezes, ou ter um lado do rosto assimétrico ao outro ou gostar de uma banda que me arrepie ao ser pronunciada. Enfim, ao comprar com esforço essa capacidade - que talvez a adolescência e seus hormônios tenham me dado - não encontro ninguém para dívidi-lo. Quem me conhece percebe que não sou dessas que acha que o amor dói, ou que o amor seja uma doença. Sou racional demais pra essas coisas, mas não nego que o amor faz com que você se perca e depois te dê o caminho como presente. Amar, no sentido de um relacionamento pós-afetivo apenas, é bom. Eu o quero, mas não encontro alguém com quem posso dividí-lo e nem Alguém me encontra. E no final eu me pergunto se estou mesmo procurando, compreende?





Você tem um Fax?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Não tem ninguém.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pensar como um Caio

Logo no final da minha rua, a penúltima casa – se você desconsiderar a de cerca vermelha – morava uma família dessas que as empresas de margarina procuram pra gravar as suas propagandas de café da manhã.
O pai, além de um sobrenome bonito, era requisitado no que fazia. A mãe, além de fazer uma famosa torta de cereja, tinha bonitos cachos feitos com um fixador em spray para cabelos. Eu nunca falei realmente com o Pai, mas dava-se para notar – com aquela intuição que evitamos chamar de preconceito – que era ambicioso e inteligentíssimo. A mãe passava lá em casa para nos dar uma gelatina colorida em forma de bichos feita por ela mesma, dizia que gostava do cheiro da minha casa, mas todo mundo sabia que ela gostava mesmo é de deitar a cabeça no travesseiro e se sentir incrivelmente foda por isso.
Essas duas personalidades são clássicas, você pode ganhar gente desse tipo em um brinde no seu cereal, mas não como o fruto deste casal.
Tive a oportunidade de conhecer Caio em um verão que fui ao lago com alguns amigos em comum que nos tínhamos. Caio, de primeira, chama atenção pelo grande par de olhos azuis que carrega em seu rosto, não fui uma das garotas que achou ele lindo: Logo de primeira percebi que ele era um babaca. Ele era do tipo que não olhava para os dois lados antes de tirar meleca e não comia a famosa torta de sua mãe, simplesmente porque achava mais rápida e saborosa a secreção gosmenta que ficava seguidamente em seus dedos: Ele comia a própria meleca. Não sabia a capital de lugar nenhum, nem mesmo do país em que o conheci, que morava ainda garota: Ele não tinha interesses.
Para Caio era bobagem discutir sobre a sua existência no universo, não acreditava em planetas além da terra, e nem perguntei o que achava sobre a gravidade – aposto que também não acreditaria – não acreditava em vida pós a morte, simplesmente porque não acreditava na própria vida em que vivia. Achava livros sem gravuras chatos: e os com gravuras também. Caio não tinha conhecimento nenhum sobre nada e achava que existiam poucas diferenças entre uma amora e uma lagarta.
Apesar de eu concordar com a última.
Com o tempo comecei a aceitar a existência de uma pessoa que tinha seu cérebro parado em um estado vegetal, e que não tinha sido diagnosticada assim. Sabia que ele nunca havia chorado, que nunca havia sofrido e que nunca pensou em que aquilo poderia significar para uma pessoa.
Foi em uma noite de quarta-feira, enquanto me revirava sobre os lençóis com insônia que descobri o que sempre quis ser: Um Caio. Eu acho injusto que enquanto eu crie milhões de possibilidades inexistentes em minha cabeça sobre coisas que talvez nem mesmo aconteçam, Caio esteja assistindo TV. Eu acho injusto que enquanto eu chore de soluçar forte o suficiente a achar que meu coração vai ser expelido pra fora do meu corpo, Caio continue assistindo TV. Eu acho injusto que enquanto todos nós gastemos todo o nosso tempo procurando amadurecer de alguma forma: Caio perca a preguiça e vá finalmente ao banheiro.
Eu odeio Caios, odeio os Caios que sentam no fundo, odeio os Caios que não gostam de usar o computador e odeio os Caios que recebem um videogame sem ter passado direto no colégio.
Eu tenho inveja de Caios, Eu queria ser um Caio que não ligasse e um Caio que soltasse gases ao invés de viver.
Falaram-me que não, que é melhor viver. Baseado em que? Prefiro ter nascido Caio, que acha que depois da morte “Um abraço, amigo” e que não haverá mais nada.
Qual é o nome da sua vida?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

15 tampas

Minha boca, que tem a personalidade bem parecida com a minha, apenas deixou tudo ir embora, não queria ficar questionando e esperando as coisas melhorarem: apenas fez. Como uma sagitariana faria. Minha barriga não, resistiu até o ultimo minuto e quando não agüentou lançou tudo até a privada.
Enquanto o gosto arranhava minha garganta toda a música se parou, tudo parou por um segundo em mim e enquanto um par de olhos preocupados me olhava, eu me senti como um bebê que vê seu reflexo pela primeira vez em um bisturi, e se encanta com os olhos azuis que deus concedeu nessa vida.
Mas fazia 15 anos, quinze longos e fudidos anos que me fizeram parecer ter 52 deles. Anos são como tampas de caneta bic: você não as coleciona, mas tem um monte delas jogadas pelas gavetas.
Daí eu levantei minha cabeça e percebi que não lembrava como tinha chegado ali, que meus olhos estavam muito vermelhos, que meu short estava caído, que minha boca estava doendo, que minhas pálpebras estavam fundas: que era o meu aniversário. O meu melhor aniversário.