domingo, 26 de dezembro de 2010

Jazigo Perpetuo

- Você já andou de avestruz?
Eu nunca andei, antes que você espere que eu lhe conte como foi. Mas uma vez, enquanto andava por uma feira de animais me deparei com um homem que oferecia o seu grande e nervoso avestruz pra um passeio com quem lhe oferecesse alguns cruzeiros. Meu avô ofereceu, e logo imediatamente minha irmã e minha prima aceitaram. E eu subi em um: se você estiver interessado em saber. Tive medo e na mesma rapidez que subi, desci.
É obvio que a andança foi assunto do almoço, do jantar e de todas as ocasiões que as pessoas se juntam pra falar como foi o seu dia: Eu não sabia como era andar de avestruz, eu nunca soube, assim como eu não sabia que não podia usar a minha saia indiana com minha camisa vermelha favorita em um enterro, assim como não sabia a aparência de cera que os corpos parecem ter quando estão em um caixão. Não sabia que praticamente tudo tinha um rosto de um cara com 2010 anos de morto estampado na frente, e demorei pra entender que “Jazigo Perpetuo” não era uma pessoa. Se você ignorar o cheiro de mofo e a tristeza das pessoas: um velório é muito engraçado. Eu mesma me peguei rindo algumas vezes, entre tantas lágrimas. Existem milhões de pessoas que nunca te viram e apenas chutam o seu nome entre todos os nomes de seus primos, dizem que você cresceu e que parece com a sua mãe – mesmo sem saber ao certo qual é a sua mãe entre todas as crianças fedorentas que pegou no colo antes mesmo da virada do milênio. Todo mundo carrega um pedaço de pano nas pontas dos dedos para ficar apertando de uma lado pro outro, como se esperasse seu nome ser chamado pra sair de uma sala de espera. Todos também carregam consigo um discurso clichê na ponta da língua, as vezes religioso e as vezes copiado de algum outro enterro que já tenha ido, tem uma hora que ninguém sabe o que falar, ninguém sabe o que explicar às pessoas que ainda choram e então repetem tudo que já haviam dito outrora. Então chega a hora que perguntam o que você está sentindo ou se quer falar algo, e mesmo dizendo que não queria: Eu tinha muito a dizer.
Eu já pensei em suicídio, algumas vezes aliás, e a todos que já dividiram essa vontade comigo: não o faça. Não é como imaginamos, sabe? Não tem o glamour do Kurt e nem a busca de soluções que desejávamos. Não tem nada: é isso.
A morte é como chegar num almoço de frente a sua família e admitir que teve medo, que não gostou do cheiro do animal e que simplesmente: não andou de avestruz. Ninguém chora em um velório porque sente saudade, não deu tempo ainda. Choramos porque sabemos o quanto nunca será tudo que virá, ficamos tristes pelos mesmos motivos que meus pais ficaram ao saber do meu medo:
- Que pena Filha, deveria ter andado.

Todos nós deveriamos ter

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Plano de contingência contra cocos na cabeça.

Lira, então, já que não conseguira convencer ninguém sobre o seu medo, decidiu sair correndo ao invés de achar um bom final para o seu plano de contingência contra cocos na cabeça. Você, certamente, deve estar se perguntando por que Lira não fez um plano de contingência contra o medo ou contra ligações indesejáveis de pessoas chatas. A verdade é que Lira achava que o medo é grande demais para se ter um plano de contingência. Lira, antes de pensar nos cocos, queria um plano que falasse sobre algo maior que uma ervilha e menor que o cabo de vassoura que está na frente de Lira agora. E sobre as ligações indesejáveis, bem, Lira não sabia como escrever “indesejáveis” e achava que precisaria de um documento escrito para garantir um bom plano de contingência – ela certamente estava segura sobre isso.
Duas coisas que você precisa saber para entender o fim da história é que, primeiramente, Lira achava que ervilhas eram coisas muito pequenas, mas talvez você não precise disso para entender o final dessa história – essa é a segunda coisa.
“Usar um chapéu coco para evitar um coco”, era o primeiro item de seu plano de contingência logo antes de “Usar um guarda-chuva de pele de morcego com resistência assegurada para garantir a não-queda de cocos”. Lira não tinha um guarda-chuva de pele de morcego, já que nunca tinha sido apresentada a um morcego e muito menos a um guarda-chuva, e mesmo assim, Lira me disse que os sites de compras daquela época não ofereciam boas promoções que incluíssem guarda-chuvas como este. Lira nunca tinha visto um daquele, mas Lira deixava como segundo item porque leu uma boa entrevista feita por um repórter Guatemalteco que assegurava a resistência. Lira acreditava, afinal Lira nunca conheceu um guatemalteco que mentisse. E se você tem dúvidas sobre Lira conhecer ou não Guatemaltecos, eu garanto: Lira tem vários parentes que moram na capital da Guatemala, inclusive, foram esses mesmos parentes que não acreditaram em Lira quando ela os tentou convencer do seu medo de cocos na cabeça, eles achavam que Lira não tinha nada na cabeça e, portanto não podia temer por ela. Mas eu disse a Lira que os adultos sempre acham que os adolescentes não têm nada na cabeça. Lira não ouviu, já que não conseguira convencer ninguém sobre o seu medo, decidiu sair correndo ao invés de achar um bom final para o seu plano de contingência contra cocos na cabeça.
Você sabia desde o começo o que Lira faria, Lira mandou eu dizer antes para que não acabasse tarde demais com a graça de sua história. Mas foi como eu disse a Lira, na verdade, não como a primeira coisa que disse a Lira, eu não sabia soletrar esta primeira coisa e Lira disse que poderia ser perigoso eu escrever algo que não sei soletrar. Lira disse que hoje em dia perguntam muito como se soletra as coisas.
Mas então, foi como a segunda coisa que disse a Lira: Ninguém se interessaria por uma história dessas.